Deslocação
As bestas são, por definição, criaturas afastadas do humano. Tanto sua anatomia de rabos e chifres e múltiplos caninos quanto seu comportamento tão errático (relacionado à não cumulação), quanto focado (na obsessão imediatista pela sobrevivência), nos faz vê-las como imagens do mal.
Contudo, ao encará-las atentamente, e ao ser encarados por elas, não deixamos de enxergar um espelho quebrado; pois se não há muita chance de nos depararmos com os quasímodos da imaginação, somos constantemente encarados, e encaramos, figuras humanas tão bestializadas por sua condição entre os demais seres humanos que nelas sobrepõe-se à imagem do mal, que é ativo, a do desespero, que é estático.
É a naturalização do convívio com esses bestializados que Márcio Vasconcelos busca enfrentar com esta série de fotografias. O gado é talvez a metáfora mais poderosa para esse tipo de gente que se vê completamente dissociada de sua humanidade, de suas identidades, locais de nascença e memória, em troca de promessas de menos azar na cidade.
Bruno Azevêdo
Escritor e Antropólogo